O Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae) iniciou suas atividades em 28 de maio de 1968, com o objetivo de operar, manter, conservar e explorar os serviços de água potável, de esgotos sanitários, de coleta de resíduos e drenagem urbana no município de Jaraguá do Sul. Hoje, com mais de meio século de serviços prestados, tornando-se uma referência no setor de saneamento em Santa Catarina.
O COMEÇO
A padronização do saneamento básico no município de Jaraguá do Sul teve início nos anos 1930, com um regulamento emitido pela “Directoria de Hygiene” com o objetivo de proteger a população do “contágio de moléstias transmissíveis”. O documento determinava, entre outros pontos, que os moradores da área urbana conservassem os currais de porcos a pelo menos 50 metros de qualquer moradia, com distância mínima de 10 metros para as estrebarias, além da obrigação de incinerar os lixos ou removê-los para áreas definidas pelo governo municipal. No fim da década, foram instituídas ainda regras a respeito da construção dos banheiros nas residências. Como contam as autoras Silvia Kita, Olga Piazera e Joana D’Arc Alvarenga no livro A saúde em Jaraguá do Sul – memória e história: os 80 anos do Hospital São José (2016), as instalações sanitárias da época eram rústicas, conhecidas como “casinhas”, ou privadas. Separadas de outras edificações, eram feitas sem janelas, com assoalho, paredes e porta com fecho de taramela e cobertura de telhas assentadas em sarrafos. As mais humildes eram construídas em madeira; as mais abastadas, em alvenaria. Os assentos eram formados por bancos, com uma abertura em formato de círculo acima de um buraco na terra, bastante fundo. Enquanto a “casinha” não era usada, o buraco permanecia coberto por um pedaço de tábua. Periodicamente, as cinzas retiradas do fogão e do forno eram jogadas no buraco, acelerando o processo de decomposição e inibindo o mau cheiro. Construídas longe dos poços artesianos de água potável, as privadas eram preferencialmente assentadas em locais mais baixos do terreno.
Quando a economia de Jaraguá se concentrava na subsistência e nas pequenas indústrias domésticas, a ligação férrea com Joinville e Corupá, que passava pelo Planalto Norte, e com o Paraná, no início do século passado, permitia o escoamento do excedente da produção agrícola e de produtos manufaturados. O fato de a cidade de Jaraguá do Sul ser cortada pelos rios Itapocu e Jaraguá fez com que muitas indústrias se instalassem às suas margens, para utilização da água fluvial como matéria-prima para a produção. O surgimento da primeira indústria têxtil de Jaraguá, em 1936, caracterizou uma nova fase na industrialização da cidade, e, a partir de 1950, o desenvolvimento industrial do município esteve ligado ao processo de crescimento do país como um todo. Nessa década, vários bancos vieram para a cidade, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional do Comércio, gerando muitas oportunidades para novos empreendedores. O setor têxtil catarinense ganhou impulso entre o fim da década de 1970 e o começo da de 80, quando industriais europeus percorreram o estado à procura de parceiros. O setor não parou mais de crescer, e Jaraguá do Sul ficou conhecida como “capital da malha” nos anos 1980. Faltou mão de obra, o que levou as empresas a fazerem propaganda em várias cidades do Paraná, como meio de atrair trabalhadores. Essa fase também marcou o aumento do êxodo rural e o aparecimento da classe do “colono-operário”, ou seja, do agricultor que também trabalha na indústria. Mas para crescer era preciso infraestrutura, em todos os setores.
As criações da cadeira de Higiene na Faculdade de Medicina de São Paulo, em 1912, e do Instituto de Higiene, em 1918, fizeram parte de uma gestão na política do Serviço Sanitário paulista, mas faltava uma política nacional eficiente. O Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp) foi criado em 1942, por meio de acordo entre os governos brasileiro e norte-americano, tendo como função o saneamento de regiões produtoras de matérias-primas, como a borracha da região amazônica e o minério de ferro e mica do Vale do Rio Doce. O Sesp expandiu-se nas regiões rurais brasileiras, onde construiu redes de unidades de saúde locais, focando tanto na medicina preventiva como na curativa e tendo como eixo principal a educação sanitária nos mais variados espaços, entre eles as escolas primárias. Os primeiros passos do Samae estão ligados diretamente ao Sesp. A falta de água potável no município ocupou grande parte das discussões dos líderes comunitários entre 1950 e 60. Os poços artesianos não supriam a recente necessidade industrial, e o deslocamento de água por caminhões pipa (principal método no centro da cidade) era custoso e demorado. A vontade municipal aliou-se às vontades estaduais e nacionais.
OS PRIMEIROS PASSOS
O projeto do senador Nelson Maculan, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), em 1962, abriu caminho para o financiamento do saneamento básico no Brasil. O projeto autorizava os principais bancos, estabelecimentos oficiais de crédito e institutos de previdência a financiar para prefeituras obras de abastecimento de água, serviços de esgoto sanitário, combate à erosão etc., mas somente para prefeituras que apresentassem planos de trabalho aprovados por órgãos técnicos federais e tivessem orçamentos supervisionados pelas câmaras municipais. No ano de 1964, a Câmara Municipal aprovou o plano desenvolvido, e o prefeito Roland Harold Dornbusch sancionou uma lei que desapropriava duas áreas, com a intenção de estruturar o abastecimento de água na cidade: uma na Estrada Nova, de propriedade do senhor Carlos Bublitz e sua esposa, com mais de 7 mil m2, e a outra na Presidente Epitácio Pessoa, de propriedade do senhor Rudi Bruns, com 900 m2. Estão aí os primeiros passos. Com isso, surgiu também a necessidade de uma instituição dedicada exclusivamente ao saneamento.
1968: O ANO DO SAMAE
Entre 1967 e 1968 foram criados diversos grupos de trabalho unindo a iniciativa pública e a privada, sempre em parceria com o SESP, para planejar e pressionar esferas estaduais e federais em busca de uma solução para o abastecimento de água na cidade. Mas o passo mais significativo desta parceria foi a criação de uma entidade autárquica municipal, com personalidade jurídica própria, dispondo de autonomia financeira e administrativa: em maio de 1968 nasceu o Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto, o SAMAE, que já chegou mudando o visual da cidade. No mesmo mês de fundação começou a implantação da rede distribuidora de água da cidade, iniciando pela Avenida Marechal Deodoro da Fonseca, que ficou parcialmente obstruída. Os recursos desta primeira etapa vieram do Departamento Nacional de Obras e Saneamento, para concluir a instalação dos cinco mil metros de canalização central. O restante deveria ficar a cargo dos munícipes e da prefeitura. O prefeito Victor Bauer e o Presidente da Câmara municipal João Lúcio da Costa entraram em campanha aberta para arrecadar recursos com o estado e bancos.
No dia 16 de agosto de 1968 foi ligada a primeira residência jaraguaense à rede distribuidora de água (que ainda estava em testes). A casa do senhor Mário Tavares da Cunha Mello foi a primeira a receber água tratada em 92 anos de existência da cidade. Em outubro as ruas Venâncio da Silva Porto, Barão do Rio Branco e Coronel Procópio de Oliveira e as avenidas Getúlio Vargas, Marechal Floriano Peixoto e Marechal Deodoro da Fonseca não receberam mais as assistências dos caminhões pipas municipais, obrigando todos os moradores dessas ruas a providenciar suas ligações de água com o Samae. Em dezembro de 1968 mais um grande passo: o Samae conseguiu um empréstimo de 115 mil dólares, com dois anos de carência e 20 anos para pagar, com o intuito de investir no assentamento e na compra de tubos, conexões e materiais para o sistema de distribuição e para a ligação em residências.
A EXPANSÃO
Os anos 1970 foram cheios de desafios e conquistas. No dia 7 de novembro de 1970, uma grande festa contou com a presença do ministro da Saúde, Rocha Lagoa, e do futuro governador Colombo Salles, que inaugurou o sistema de abastecimento de água de Jaraguá do Sul. A capacidade inicial da ETA era de 36 litros por segundo. O reservatório elevado possuía a capacidade de armazenar 700 mil litros e de atender a cinco mil pontos. A partir de dezembro de 1970 a água passou a contar também com flúor, e não apenas com cloro, como até então. Com a criação do Conselho de Engenharia Sanitária do Samae, no ano de 1975, as diretrizes foram reorganizadas. Os primeiros conselheiros foram Aroldo Schultz, Mário Therezo Lopes, José Alberto Klitzke, Wolney J. Buzzi e Waldir Rubini. Como resultado direto da ação do conselho, começou o planejamento da expansão do atendimento. Em 1977 o então distrito de Nereu Ramos recebeu a notícia de que um poço artesiano com 200 metros de profundidade abasteceria a localidade. Mesmo com o poço, somente em 1979 começaram as obras para a implantação do sistema público de abastecimento em Nereu Ramos.
A PRIMEIRA GRANDE CRISE
Os primeiros meses de 1979, de intenso calor, foram de muita pressão popular para o Samae, pois a falta de água era constante. Os já 60 litros por segundo tratados pela estação eram insuficientes. O anúncio do aumento da capacidade de tratamento em 50%, com a instalação de um novo conjunto de motobomba na captação, foi recebido com ceticismo. A realização dos Jogos Abertos de Santa Catarina na cidade de Jaraguá do Sul no próximo ano aumentou a instabilidade (cada atleta precisaria de 50 litros de água por dia, no mínimo). Passou-se então a vetar a construção de edifícios que não contivessem na planta a construção de um reservatório de água.
Pela primeira vez, cogitou-se passar o controle do Samae para a Casan. Além dos problemas técnicos, havia os políticos. A oposição ganhara as eleições e o Samae era uma poderosa autarquia. Seria melhor que o novo prefeito não tivesse esse poder em mãos e que a autarquia ficasse com o governo do estado. Parte da população acreditava que o governo estadual, por ter mais poder de investimento e experiência, resolveria todos os problemas de falta de água, mas havia também muita resistência: o patrimônio era jaraguaense e avaliado em mais de duas centenas de milhões de cruzeiros. Entregar tudo de bandeja ao estado numa concessão de 30 anos não parecia uma grande ideia. Também, o Samae aumentava suas tarifas anualmente, e a Casan, trimestralmente, o que não agradava de modo nenhum à população. Como o Samae já havia quitado os débitos de financiamento e acordo com o Sesp, já entrara no ano de 1983 sob o comando da Casan.
A gestão da Casan começou confusa e sob desconfiança, com severas críticas do então prefeito, Durval
Vasel, ao administrador regional da Casan. Vasel buscou, com apoio da câmara municipal, a retomada do órgão para o município. Os meses de janeiro, fevereiro e março de 1983 foram de jogadas políticas que culminaram na rescisão do contrato de concessão no fim de março, com amplo apoio da município. O Samae retomou as parcerias com a Sesp, e Waldir Otávio Rubini assumiu a direção da entidade.
Além da reestruturação, a autarquia, que então contava com 32 funcionários, passou por outros desafios no mesmo ano, como grandes despesas após um deslizamento no Morro do Carvão e a mudança de escritórios. Em setembro, um radiestesista (prospector de água) de São Paulo veio à cidade para prospectar locais de perfuração, pois a perfuração de poços artesianos poderia ser uma das soluções emergenciais aos desafios da falta de água.
Os aumentos do preço da água eram contestados pela população, mesmo estando abaixo da inflação. A esperança passou a ser a construção do segundo reservatório, no Morro do Carvão, aos fundos da Igreja Matriz São Sebastião. Em dezembro de 1979 se começou a colocar a tubulação destinada ao bombeamento da água da estação de tratamento, localizada na Rua Presidente Epitácio Pessoa, para ligá-la ao reservatório que estava para ser construído. Para acalmar os ânimos, também se anunciou que após o término do reservatório n.º 2 a água finalmente chegaria à Barra do Rio Cerro, e estava planejado um terceiro reservatório, na Rua Joinville.
PARCERIAS
Em 1984 foram realizadas 529 ligações de água, beneficiando diretamente 2.645 pessoas. A rede de água também foi estendida em 7.300 metros, atingindo mais 54 ruas, elevando-se para 145.944 metros na totalidade. Ainda em 1984, uma campanha e a parceria da prefeitura com a Associação Comercial e Industrial de Jaraguá do Sul possibilitaram a instalação de dez hidrantes em locais demarcados pelo corpo de bombeiros voluntários, no perímetro urbano da cidade. A medida trouxe o reenquadramento do município nos valores pagos às seguradoras, facilitando o trânsito empresarial. No ano seguinte, foram acertados os detalhes para a ampliação da capacidade de produção da ETA de 74 litros por segundo para 112 litros por segundo. Além dessa ampliação, seriam necessárias a construção de um novo reservatório e a implantação de uma adutora, tudo ao custo de dois bilhões de cruzeiros – mais de 2% do orçamento anual municipal da época. Em agosto de 1986 a prefeitura permutou um terreno de 3 mil m2, que era de propriedade do Sr. Marcos Dalprá, para a construção do terceiro reservatório do Samae, com capacidade de 750 m3. No fim do ano, o Samae anunciou o tão aguardado aumento da capacidade de produção, chegando aos sonhados 112 litros por segundo. Entre 1987 e 1990 vários bairros foram atendidos, com melhorias sensíveis no abastecimento e incremento nas instalações da rede de água nos bairros Amizade, João Pessoa, Jaraguá 84, Ilha da Figueira, além de levantamento topográfico nos bairros Santa Luzia, Três Rios do Norte e Rio do Luz.
No fim do ano de 1991, a Funasa (antigo Sesp), com base em informações da prefeitura e do Samae, entregou ao então prefeito, Ivo Konell, o projeto de esgoto sanitário do município. Em 1993, o prefeito interino Alfredo Guinther assinou a desvinculação definitiva do Samae com a Funasa. Um planejamento minucioso da administração municipal com os órgãos competentes consumiu meses, e entraves burocráticos e financeiros tornaram a tarefa mais árdua. Em 1995, na segunda gestão de Durval Vasel, tentou-se uma licitação para entregar o esgoto para a iniciativa privada, mas as duas empresas que se apresentaram na licitação vieram com preços elevados e o certame foi cancelado. O ano de 1998 foi um marco na questão do esgoto: o então secretário da Saúde, Irineu Pasold, e o prefeito Geraldo Werninghaus fizeram do tema uma bandeira e, com apoio do deputado Ademar Frederico Duwe, conseguiram com a Caixa Econômica Federal, por meio do Programa Pró-Sanear, a quantia de R$ 12.285.000. As obras, no entanto, começaram com recursos próprios: no dia 27 de julho de 1998, foi iniciada, na Rua João Planincheck, a implantação da primeira rede coletora de esgoto sanitário de Jaraguá do Sul.
ENDEREÇOS ADMINISTRATIVOS
Desde o nascimento do Samae, em 1968, o centro administrativo da autarquia passou por algumas mudanças de sede antes de se estabelecer junto à ETA central, na Rua Erwino Menegotti. As primeiras faturas de água do município de Jaraguá do Sul foram emitidas na Rua Expedicionário Antônio Carlos Ferreira, 103, em um centro administrativo com apenas quatro funcionários. A meta inicial da equipe era viabilizar 200 ligações de água. Nos três primeiros meses, o número estabelecido já havia subido para mil ligações, multiplicando-se sucessivamente enquanto o Samae ampliava sua rede. Em 1977 a sede foi transferida para a Rua Barão do Rio Branco, 163, com uma equipe de cerca de 60 pessoas e 15 mil ligações de água. Com pouca tecnologia disponível, o trabalho era essencialmente manual: leituristas faziam a conferência dos registros de bicicleta – mesmo em comunidades distantes como Nereu Ramos – e entregavam o relatório diário ao setor administrativo. Em seguida, as contas eram datilografadas à mão para serem entregues aos munícipes. No ano de 1983, o Samae transferiu a administração para a última sede alugada: uma sala comercial na Rua Guilherme Weege, 34, onde ficaria até transferir-se definitivamente para construção própria junto ao complexo de tratamento de água, voltando à Rua Erwino Menegotti, em 1994.
MISSÃO FOI CUMPRIDA… E COMPRIDA!
Uma testemunha ocular e agente no desenvolvimento do Samae foi o Sr. Nelson Klitzke, gestor da instituição entre 1993 e 2004 (retornaria depois em 2009 até 2010). Os anos de 1994 e 1995 foram de reestruturação da equipe e intenso trabalho: a produção de água aumentou de 195 litros por segundo para 345 litros por segundo, e as redes de distribuição foram de 26.626 metros para 36.385 metros. O aumento do faturamento, de R$ 1.144.000 em 1993 para R$ 2.624.000 em 1995, e a nova estação de tratamento, a ETA-3, deram condições de promover cerca de 1.550 ligações novas de água por ano. E os números não pararam de crescer, graças à duplicação dos reservatórios principais e da capacidade de reservação. Em 1997, o Samae produzia 440,5 litros de água tratada por segundo, com redes de distribuição de 414 mil metros. A população atendida era de 96.700 habitantes (91,41%), e a receita bateu a casa de R$ 3.998.000. Ao deixar o cargo, em dezembro de 2004, Klitzke escreveu um relatório em que dizia que “a missão foi cumprida… e comprida”. Jaraguá do Sul já contava com 123.500 habitantes, e o Samae abastecia 121 mil pessoas, cerca de 98% da população total do município.
(Livro: Samae 50 anos: uma trajetória de comprometimento com o Saneamento . – 1. ed. – Jaraguá do Sul : Design Ed., 2018.